(Texto original produzido para a formatura da primeira turma da faculdade CAL)
'Registro não será mais necessário para a profissão de ator, clique e saiba mais!'
'Artists Challenge. Fui desafiado a postar 3 imagens durante.' Opa... 'Você quer ser ator? Clique aqui e aprenda como.' 'Faça seu curso de teatro em uma das casas mais conhecidas do Brasil. Pise aqui em nossos tablados, pois com aula uma vez na semana, com duração de 1hora e 45 minutos, com mais de 30 alunos por turma, em 3 anos você pode obter o seu DRT. Temos convênio direto com o SATED.' 'Teste para peça teatral adulta (cachê percentual de bilheteria). Atores com perfil de Gogo Boy, maiores de 18 anos, Para peça teatral...' 'Atenção atores! Teste! Não precisa de DRT, nem experiência...' Por fatalidade do destino, nos formamos em um período comum com outras faculdades e outros cursos. Vemos fotos pelas redes sociais de amigos em cerimônias, entre familiares bem arrumados e preparados. Bem, Não temos aqui a beca. Mas temos o espirito mais consciente e colocado. Muito pensado foi nas últimas semanas se faria ou não esse texto final, por uma completa quase impossibilidade de colocar em palavras sentimentos tão complexos que vivemos durante nossa passagem pela escola. Mas me foi decidido quando uma amiga de turma defendeu que nosso fechamento de ciclo na educação superior seria mais tranquilo quanto a formalidade, cerimônia e roupa. Quanto ao rito. Educadamente e respeitosamente discordamos, acredito no inverso, que precisamos de muito mais formalidade, incentivo, pensamento, pesquisa, desenvolvimento, seriedade, principalmente no ensino nominado superior, que visa objetivamente desenvolver mestres, doutores, pós doutores, especialistas. Educadores. Em uma conversa particular com um ator chamado Stephane brodt, ele me fez uma pergunta que nunca mais consegui esquecer. Por que temos que nos sentir hierarquicamente inferiorizados frente a um advogado, um médico, um economista? Também estudei anos como ele, respeito minha profissão tanto ou mais, e sou digno no que busco e no trabalho que tenho. A percepção do nosso trabalho é mais subjetiva, porque a existência humana é subjetiva. Mas nosso trabalho não. Estudei e trabalho tanto quanto qualquer outra profissão para poder olhar nos olhos de meus iguais. Por coincidência, ou por sincronicidade, na semana que estava pensando no que escrever esse texto, um comediante compartilhou em sua rede social uma entrevista em um grande canal aberto de uma mulher fruta, a “mulher maça.” Eis que de início a Entrevistadora pergunta: Você AGORA é atriz? Eis que ela responde: “Sim, também, sou cantora, apresentadora. Uma artista Múltipla.” A entrevistadora continua, “Quem sou eu para julgar?” Eis que uma outra pessoa no programa, numa grande mesa, como um jurado de calouros televisivos, emite uma continuação. “Então tá, interpreta alguma coisa ai” “Interpreta ai”! Não sei ainda o que foi mais interessante, se foi um dos poucos canais brasileiros com licença para ser aberto para um país inteiro investir tempo nacional em entrevistar a mulher maça. Um ‘jurado’ que diz para alguém ‘interpretar ai’. Ou se foi por alguém AGORA ser atriz, como se fosse uma blusa que rapidamente se veste, ou depois de uma maça que alguém come. E não uma profissão. Somos privilegiados amigos. Saímos hoje de uma escola de artes cênicas, temos conhecimento, temos treinamento, em um mundo onde a arte se afastou tanto do divino que se tornou amante do falso profano e a transa tá ruim. E ainda somos obrigados a ouvir diariamente falsos orgasmos. Temos obrigação de sermos melhores seres humanos. Enquanto grande parte da população está aprendendo a desintegrar funções, resolver teoremas, equalizar funções exponenciais, dialéticas técnicas formais para julgamentos, nós tivemos aula de corpo, de voz, de música, de canto! Sabemos quem é Dionísio, quando a maioria da população sabe quem é Wanessa Camargo. A propósito, Caio Castro mandou um beijo pra galera da Bt1.
(Referência à época devido a uma declaração pública, em entrevista, onde ele dizia não gostar de ir ao teatro) Uma grande diretora Francesa chamada Ariane Mnouchkine diz que fazer teatro é uma grade utopia, mas uma utopia sem a qual não podemos viver. Que o teatro é a arte do presente. Presente representando um presente que se recebe, mas principalmente o tempo, o agora. A arte do presente. No impulso. No verdadeiro Impulso. Onde a auto censura não tem tempo, e nem permissão para agir. Em uma entrevista foi perguntada: Como sabe quando os atores mentem? Respondeu: “Os verdadeiros atores vivem o instante, sem falsifica-lo. A longo prazo a atuação deles se torna tão transparente que vira a própria vida. Afinal de contas atuar não é trapacear. Parece que há um público para os trapaceiros, mas eu não faço parte dele. Eu tento nunca escolhe-lo. “O intuito da representação, cuja finalidade, em sua origem e agora, era, e é, exibir um espelho à natureza, mostrar à virtude sua própria expressão; ao ridículo sua própria imagem e a cada época e geração sua forma. Ora, se isso for feito de modo exagerado, ou então mal concluído, por mais que faça rir ao ignorante só pode causar tédio ao exigente; cuja opinião deve pesar mais no conceito do ator do que uma plateia inteira de idiotas. Então, corrijam tudo!” Ou sendo mais educado, usando palavras de um homem historicamente menos culto e mais controlado, Antonin Artaud. “Destrua esse corpo”! Será que a Nina já voltou de Ieletz? É que ela, em um momento infelizmente menos prestigiado, e menos percebido, de sua mais famosa fala diz: ”É... Ele não acreditava em teatro, ria de todos meus sonhos, e, aos poucos, eu também fui deixando de acreditar e cai no desânimo, perdi a coragem...” 3 anos. De encontros, de amizades, de brigas, de perdões, de namoros, de términos, de reencontros, de música, de descobertas! E de uma alegria quase explosiva de fazer o que se ama. Não podemos agora perder a coragem. Tem ainda muita coisa para se fazer. Sei que o desânimo e a decepção atingiu o coração de muitos dos meus amigos aqui presentes. Mas essa não é a hora para cair. É o momento de olhar pra dentro de si e perceber o imenso universo que cada um de nós tem e que podemos oferecer pra quem amamos. Pra quem sai de suas casas para nos ver. Pra quem vence o grande universo que nos mantem em inércia, e saindo de suas casas, paga, para ter a nossa vida, a nossa palavra, o nosso corpo, a nossa verdade, nem que seja por uma hora. Amigas, amigos, é hora de preencher o coração de coragem. A melhor definição pra coragem que pude aprender foi com atores mestres do Théâtre Du Soleil que em momento poético nos ensinaram a definição deles para Coragem. Coragem, é o Coração que Age. Coragem. “Corragê” “Corrage, pedro” Amigos, pra nós, Coragem. Que nosso olhar possa se permear pelo espirito de tantos homens e mulheres que permitiram que hoje estejamos aqui. Que deram suas existências e suas vidas por uma crença, quase divina. Que nosso espirito possa conversar com os deuses novamente. Evoé Antonin Artaud! Evoé Shakespeare! Evoé Etienne Decroux! Evoé Lecoq! Evoé Marcel Marceau! Evoé Meyerhold!! Evoé Bertold Brecht!! Evoé Grotowski! Evoé Mestres Balineses! Evoé Mestres Indianos! Evoé Mestres Orientais de teatro! Evoé Peter Brook! Evoé Eugenio Barba! Evoé Ariane Mnouchkine! Evoé Suassuna! Evoé Caravaggio, Van Gogh, Tchaikovsky! Evoé! Não vamos ceder agora, não é o momento, porque pra nós nunca vai ser, enchamos nossos corações de força, esperança, de coragem. Eles acreditam em vocês. Eu acredito em vocês. (Vamos juntos) Com amor, Pedro."
- Pedro Wilson é ator, diretor, colaborador e diretor geral do Teatro do Mar-